sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Compras de Natal

 

Fabrício nunca foi lá muito fã do Natal. Espírito natalino, ceia, amigo secreto, Papai-Noel, jingle de fim de ano da Globo, especiais da Xuxa: achava tudo um saco. Um saco maior que o do Papai-Noel. Mas, para ele, a pior parte era ter de comprar presentes. Que estúpida convenção social! Escolher algo que agrade, modelo, cor, tamanho… e depois ainda dizer, com cara de pastel: “Olha, é só uma lembrancinha,viu? Se não gostar pode trocar.”

Mal sabia ele, porém, que o pesadelo estava apenas começando.

Acontece que, naquele ano, o Fabrício estava namorando a Michele, filha do seu Rodolfo. Ele era um pai atencioso, mas muito duro e rigoroso. Só aceitou que o Fabrício namorasse sua filha por causa da insistência da mulher, dona Olga, e porque fez o rapaz concordar em namorar em casa, das sete às nove, sob supervisão dos pais da moça e sem usar perfume. A lista completa de exigências continha 236 itens que iam desde não sentar no braço do sofá até não emitir sons durante o Jornal Nacional. Acreditava piamente que a filha era uma santa imaculada e inocente. Não é necessário dizer que ela era, na verdade, uma vadia. Fazia tudo o que queria e não queria fora da vista do pai e até do Fabrício, coitado. Ele caía de amores e faria tudo por ela.

Pobre diabo!

Uns dias antes do Natal, dona Olga esperou o fim do jornal e lançou sua ideia genial:

-Rodolfo, porque você e o Fabrício não vão fazer as compras de Natal juntos? Assim, você o ajuda a escolher um presente pra Michele e ele te ajuda a escolher presentes pra mim, porque, sinceramente, ninguém merece ganhar panela de pressão, ou lingerie marrom,ou…

-Tá, tá. Ele respondeu apenas para encerrar o ciclo de assuntos chatos no qual a mulher se perderia infinitamente.

O Fabrício só passou a mão na testa e soltou baixinho um palavrão.

Foram às compras.

Os dois queriam acabar logo com aquele climão chato, mas também queriam dar um presente que não fosse recebido com um “Olha!” e um sorriso amarelo. Seu Rodolfo quis comprar outra lingerie. Já que ela não gostara de marrom, daria uma bege, todo mundo gosta de lingerie bege, não tem como errar. Mas qual seria o número da dona Olga?

-Me vê um troço desses. Bege. tamanho… hmm... M.

O Fabrício fazia de tudo pra parecer um menino decente, educado e sexualmente não-ativo. Decidiu falar alguma coisa, tentar ajudar.

- Errr… seu Rodolfo, acho que o senhor deveria levar o tamanho G. Ou mesmo o GG.

- Tá chamando minha mulher de gorda, moleque?

- Não, senhor, é que…

-Tá dizendo que minha mulher é um canhão, uma baleia que mais parece um peixe-boi inchado com as banhas encalhadas na areia suja de cocô de cachorro doente?

- Não, não é que… é que… olha, leva o M mesmo, qualquer coisa, eles fazem trocas nessa loja…

- Tô de olho em você, moleque.

Agora o climão era tanto que até o oxigênio do ar parecia mais pesado. Andaram por um tempo na loja de lingeries, o seu Rodolfo pensando consigo: “Aquele moleque atrevido… se algum dia eu descobrir alguma safadeza dele com minha filhota, eu arranco as tripas dele e o enforco com elas”. Enquanto isso, o Fabrício andava distraído pensando ora no presente que compraria (não podia ser naquela loja, claro), ora na gafe anterior, ora na Cléo Pires.

- Já decidiu o que vai dar de presente, moleque?

O rapaz tentou pensar na coisa mais pura e respeitável possível:

- Hmm… uma Bíblia, talvez?

- Tá insinuando que minha filha é uma perdida?

-Hã?

- Tá dizendo que ela é uma depravada obsessiva-compulsiva que comete pecado e precisa de uma bíblia pra não passar a eternidade queimando no lago de fogo e enxofre enquanto Lúcifer ri da cara do pai dela que não a criou direto?

- Deixa pra lá…

Foi quando seu Rodolfo se distraiu com uma calcinha de oncinha vestida em um manequim estranhamente atraente. Era uma peça finíssma e transparente, indecente até para uma prostituta. Fabrício voltara a pensar na Cléo e não notara aquela peça de indecência moral em forma de tecido.

- E aí, moleque, vai dizer que quer dar uma dessas pra minha filha também?

O pobre Diabo do Fabrício ainda estava em outro mundo. Deu uma olhada rápida e, sem raciocinar, soltou:

- Não, ela já tem uma.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Despedida da despedida do trema

Olá, leitor do K-Blog.

Não sei se você reparou, mas o texto da despedida do trema sumiu daqui. Calma, é por uma boa causa. Ele foi escolhido pra ser publicado na revista Offline ano que vem, e até lá não pode estar publicado aqui. Aí muitas outras pessoas terão acesso a ele impresso e bonitinho. Prometo que quando sair a revista, volto a postá-lo aqui no Blog. O trema manda dizer que sentirá saudades, mas que está feliz com a sobrevida que ganhou em 2010.

Que seu grito seja ouvido por muitos que, como nós, sentirão falta dele...


Obrigado por visitarem o K-Blog, como homenagem ao trema, vamos terminar o texto não com um, mas com dois pontos.

Abraço..

A Porta

Não batas à minha porta

Estaria, antes de ganhar-te, a perder-te

Minha existência é uma existência torta

Insípida, incolor, incomum e inerte.


Tu és rosa, eu sou espinho

És amanhecer, e eu, crepúsculo

Sou dor disfarçada de carinho

Que te estraçalha cada músculo.


Não tens ainda cicatriz

Te chamam Má, mas és Boa

Serás uma Princesa ou uma Miss

Até a vida tornar em cravos tua coroa.


Mas esconde, por favor, o teu olhar

esse par de convites inefáveis

fariam o meu “não” desmoronar

e render-se às vacilações instáveis

das armadilhas do verbo amar.