quarta-feira, 9 de junho de 2010

Camisa do Corinthians

 

Marcelão devorava um sanduíche sem mesmo olhar para ele, distraído que estava com a pequena tv colocada na prateleira mais alta, atrás do balcão da lanchonete.

- Viu só Carlos! Chom chomp. O coringão meteu 3 a 1 de virada ontem! Chomp chomp. Eu vi tudo lá do Pacaembu. Chomp.

- Comemore mesmo. Não fez mais que a obrigação. Uma vitoriazinha de nada em cima do Sertãozinho em casa… Quer dizer, casa não né… quem sabe um dia vocês viram um time digno de ter um estádio próprio… 

- Ah… falô o sabichão. Grande merda aquele Palestra Itália! Um bando de porcos só podia viver num chiqueiro mesmo!

- Fale o que quiser, a gente tá liderando a Libertadores. Aliás… quantas vocês já ganharam mesmo? Aliás, não fale nada, eu preciso ver a patroa e as meninas na apresentação do coral. Essas coisas de igreja, sabe como é… MERDA!

- Não fala isso que é pecado, Carlão!

- Não tô falando disso, ô gambá. Olha, derrubei mostarda na minha camiseta nova! Ai meu São Marcos! Não posso aparecer assim na igreja, aquelas velhas são umas loucas… outro dia quase expulsaram a Rita do coral porque ela tava com um botão faltando na blusa… MERDA!

- Relaxa, meu amigo, a gente passa rapidinho em casa e eu te empresto uma camisa…

Quando chegaram na casa do amigo, Carlos ouviu a pior notícia possível:

- Xii, Carlão… só tem camisa do timão. As duas únicas camisas que não são do Coringão tão na lavanderia…

- Cê só pode tá zuando né, Marcelo? Eu não posso profanar meu corpo vestindo essa… esse… LIXO!

- É isso ou perder a apresentação… e eu acho que a sua patroa não faz lá o tipo compreensiva…

Carlos ponderou, pensou, refletiu. Dilema: divórcio ou vergonha? Mulher ou honra? Coral ou coro? Família ou mulher e filhas? Suspirou.

- Bom, acho que não tenho escolha….

Foi a sensação mais estranha que já sentira… Era como se todos pudessem vê-lo ali dentro do carro e o olhassem de forma enviesada…

A sensação só piorou ao chegar na igreja. Tentou ao máximo não olhar nos olhos de ninguém e, esgueirando-se, sentou no banco, onde se sentia ainda mais exposto… Um velho conhecido passou por ele e disse, apesar das suas tentativas esconder o rosto…

- Carlos… justo você que…

-Eu sei, eu sei… longa história, não tive escolha.

Começou a apresentação do coral, e os 40 minutos passaram em 4 horas. Carlos já se sentia um alienígena. Quem dera, alienígenas são verdes…

Depois da cantoria, suas filhas e a esposa, que também eram fundamentalisticamente palmeirenses, estavam ruborizadas de vergonha. Antes que a esposa se aproximasse com aquele olhar de desprezo, Carlos tentou desculpar-se, mas foi logo interrompido pela mulher:

-Calado, Carlos. nem uma palavra sobre isso. Já pro carro! E vista uma camisa, pelo amor de Deus.

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