domingo, 27 de junho de 2010

Caixa de Pandora

Subiu em uma cadeira, ficou na ponta dos pés e finalmente conseguiu puxar uma caixa empoeirada de cima do armário. Não sabia exatamente o que procurava, mas o que encontrou foi lembranças. Talvez quisesse, sem perceber, encontrar um si mesmo há muito esquecido. Soprou o pó, que rodopiou pelo quarto enquanto uma fresta de luz iluminava cada partícula rebolante.

Abriu-a.

A caixa, como se houvera sido violada em seus segredos, respondeu mostrando-lhe um velho álbum de fotografias; um objeto pertencente há um outro “quando”. Uma época onde as memórias eram dignas de serem protegidas do onipotente e corrosivo tempo e sua cauda escura, o esquecimento. E o que aquelas molduras enquadravam nada mais eram que resquícios, migalhas de de uma era passada há poucos ontens, mas há muitos nãos de distância.

A cada página virada, o coração hesitava em bater novamente. Aqueles sorrisos imóveis, aqueles abraços para sempre aconchegantes, os olhares de brilho incorruptível, aqueles beijos libertados de seu minúsculo fragmento de tempo. Todo esse caleidoscópio girava antes os olhos e fazia doer o peito, como se houvesse em seu interior um câncer até então adormecido.

Olhou-se no espelho. As rugas de expressão eram a única evidência de que já houvera naquele rosto sorrisos. Eram como o solo revolvido ao arrancar-se uma raiz profunda. Os olhos já não brilhavam, não porque não transparecessem a alma, mas justamente porque a alma era opaca e vazia. Nem uma lágrima sequer ousava insinuar-se ali.

Virou a caixa de cabeça para baixo, esvaziando-a com fúria. E dali saíram todas as suas póstumas alegrias, transmutadas em suas desgraças. Olhou para o fundo da caixa, mas não havia ali esperança alguma. “Talvez ela tenha ido embora ou morrido” – indagou-se. “Mas, se a esperança é a última a morrer” – pensou - “ o que resta de vivo em mim?”

Do chão, seus próprios olhos brilhantes o contemplavam com sorrisos ironicamente imóveis. A última partícula de pó flutuou, rodopiou pela última vez e depositou-se delicadamente sobre sua última vontade de viver.

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