quinta-feira, 24 de junho de 2010

A Vuvuzela reencarnada

 

Já fui muitas coisas em muitas vidas. Coisas boas e coisas ruins, porém não tão terríveis quanto a que estou estou prestes a ser.

Mas comecemos pelo começo.

Meu primeiro fragmento de memória é antigo, muito antigo. Se foi minha primeira existência ou não é difícil dizer, mas é a primeira de que me lembro. Eu era uma trombeta. Isso mesmo! Mas não uma trombeta qualquer, eu pertencia aos guerreiros de Israel. Lembra das muralhas de Jericó? Não? Bom, faz um tempinho mesmo. O fato é que, eu possuía uma força tão descomunal que, soprada junto com minhas irmãs, abalei as estruturas da muralha e ela caiu! E a cidade foi conquistada graças ao meu imponente grito.

Mas nada dura para sempre. Depois de alguns séculos, o Grande Criador (o cara que cuida dessas questões logísticas) me designou para uma outra existência. Dessa vez eu era um clarinete. Mas não um clarinete qualquer, eu pertencia a um músico da Orquestra Sinfônica de Bethoven! Ah, bons tempos! Cantarolava a noite toda, era manuseada com carinho e produzia sons tão belos que arrancavam lágrimas de quem quer que me ouvisse… Pertencia à nobreza dos instrumentos musicais, tinha um corpinho esbelto…

Mas o tempo passou e aquela vida chegou ao fim. Novos tempos vieram e eu retornei ao serviço militar. Era uma trombeta de atalaia. O quê? Não sabe o que é isso? Bom, são aqueles soldados que ficam no alto do morro vigiando o inimigo e, quando vêem algo suspeito, tocam a trombeta! Salvei muitas vidas assim, mas não gostava de ser dedo-duro.

Bem, antes ser dedo-duro do que a minha função posterior a isso. Fui designado como tromba de elefante! Ficava o dia inteiro suja de capim e baba de elefante, fazendo barulhos estranhos e cheirando a bosta. Fora o acasalamento. Já viu um beijo de elefante? Sorte sua. Acho que todo mundo passa por fases ruins na vida. Ou nas vidas.

O tempo foi passando, e eu já havia sido trombeta, clarinete, trombeta de novo, tromba de elefante, cornetinha-de-festa-infantil, alarme de incêndio, flauta doce, canudinho de açaí, Cornetto (o sorvete), trompete de banda de escola e muitas outras coisas…

Recentemente, fui uma vuvuzela. No começo foi divertido. Clima africano, futebol, torcida, festa, algazarra. Mas depois confesso que até eu comecei a me achar irritante. Aquela zueira ensurdecedora por horas não deve ser coisa de gente normal.

Mas eu reclamei de barriga cheia, nem desconfiava da tragédia que me esperava. Como das outras vezes, o Grande Criador veio me incumbir de minha tarefa em minha nova existência. “Minha cara vuvuzela, outrora trombeta, outrora clarinete e trombeta novamente, outrora tromba de elefante, cornetinha-de-festa-infantil, alarme de incêndio e flauta doce; outrora canudinho de açaí, Cornetto (o sorvete) e trompete de banda, tenho uma nova existência para ti. Encarnarás como um ser humano, e sua sina será será ser odiada por todos e ecoar um som horrível, o pior que já produzistes até hoje.”

Eu pedi, implorei. Aceitaria ser novamente tromba e até focinho de gambá. Mas foi em vão. “Eu sei de todas as coisas” – respondeu ele - “encarnarás como ser humano. E chamar-te-ão Galvão Bueno”.

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