quinta-feira, 22 de julho de 2010

A criatura alada

Era uma manhã banhada em sol. Mas aquela luz, diria o poeta, não queimava nem siderava: sorria. Da grama fresca desprendia-se uma fragância que trazia aos sentidos a lembrança de dias recém-nascidos. Árvores desfolhadas erguiam seus braços retorcidos ao céu em gesto de adoração. Ao longe, ouvia-se o tilintar agudo e doce de aves entretidas com migalhas que lhes eram jogadas. Animaizinhos animados corriam pra lá e pra cá em um pequeno espetáculo que só era admirado por um par de olhos. Olhos de um jovem garotinho. Olhos curiosos e ávidos ante um mundo onde tudo parecia novo. Estava livre daquele peso que existe nos olhares adultos, que dão boas vindas ao novo já temendo uma possível despedida.

Caminhou com aquele andar vacilante próprio das crianças pequeninas, afastando-se da atenção do pai, entretido com as questões mais importantes do universo impressas em um quadrado de papel.
Foi quando aquele par de olhos foi atraído por algo inusitado. Ao longe, em um lago de águas turvas havia uma criatura, diferente de todas que conhecia. Tinha um pescoço longo e curvo, mas não desajeitado. O corpo sinuoso deslisava sobre as águas e deixava um rastro de ondinhas passageiras. Era branco e alado, como um anjo. E as asas, quando abertas, eram imponentes e graciosas, cobertas com algo que parecia uma seda dos deuses. Ao redor dos olhos destacava-se um círculo negro, conferindo uma atmosfera misteriosa aquele ser. Seria mesmo um animal? Um simples animal?

E aquela criança, pela primeira vez em sua breve vida, ficou perplexa. Uma sensação que seu incipiente vocabulário não era capaz de descrever. Mas não seriam também as palavras dos adultos pobres e vazias? "Saudade", "amor", "esperança" conseguiriam descrever tudo o que elas representam? Porque tudo que sentimos deve estar preso às palavras? São indagações que aquele garotinho só faria anos mais tarde. Ou será que não? Talvez ele crescesse e simplesmente se conformasse com a tirania do dicionário frio, vazio, inescapável.

Nunca saberemos.

Uma mão , de repente, tocou-lhe o ombro, mas ele não se assustou, voltando logo a fixar os olhos à frente. "É só um cisne", disse uma voz masculina. E naquele instante, como por alguma mágica maligna, o encanto se foi. Aquela criatura magestosa, de asas alvas e olhos negros de beleza inefável passou a ser um simples "cisne". Mesmo sem saber, o garotinho sentia como se aquela canto agudo e doce das aves tivesse cessado repentinamente. A sua perplexidade fora arrancada e levada embora por um novo sentimento cuja sensação também não estava no seu vocabulário: desilusão.

E o resto foi silêncio.

Um comentário:

  1. Boa tarde Lucas?
    Eu vi uma materia sua na revista OFFLINE, eu gostaria de convidar para visitar o mu blog:
    www.rm2com unicacao.blogspot.cm
    Muito obrigado!!

    ResponderExcluir